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“Alguém tem notícias da Heba?”

“Alguém tem notícias da Heba?”. Recebo esta mensagem no grupo do WhatsApp de um conjunto de raparigas que, como eu, participaram num programa de liderança feminina, em Boston, há quatro anos. Então, conheci jovens, nascidas entre 1999 e 2003, que chegavam de todo o mundo para debater, entre outros temas, a acção cívica e a paz. A Heba vive na Faixa de Gaza e há três dias que ninguém tem notícias dela.

Penso que provavelmente não consegue comunicar devido ao corte de electricidade (comida e água) que Israel impôs a Gaza. Passado dois dias responde: “Não me sinto nada bem. Alhamdulillah”, que significa “louvado seja o Senhor” e interpreto como um agradecimento a Deus por, apesar de tudo, estar fisicamente bem.

Algumas das raparigas confortam-na, dizem-lhe que a têm nas suas orações e que Alá vai ser generoso nas suas recompensas, frases que me deixam perplexa. Tento imaginar como é que uma pessoa, na situação em que os palestinianos se encontram neste momento, em Gaza, poderá encontrar conforto em Deus, em vez de sentir revolta ou decepção. Mas também me apercebo que, perante a impotência de não ter qualquer controlo sobre o que se está a passar, rezar pareça a melhor ou mesmo a única opção.

São 4h da manhã e espero um voo no Aeroporto de Lisboa. No dia anterior, despedi-me da minha avó que, como sempre, me diz que vai rezar para que eu chegue bem ao meu destino, assim como reza diariamente por cada um dos elementos da família. Ainda que não preste culto a Deus, saber que a minha avó reza por mim faz-me acreditar que, mesmo ao longe, cuida de mim.

É mágico pensar nas comunidades de freiras ou de monges budistas cuja missão é rezar pela paz e por um mundo com mais amor. É fácil ser céptico e desprezar estas práticas, classificando-as como irrelevantes, mas acredito que o simples facto de existirem pessoas que se dedicam a rezar por um mundo melhor tem, de certeza, um impacto positivo e permite contrabalançar com os maus pensamentos com que diariamente nos debatemos.

Penso na Heba e em todas as famílias, palestinianas e israelitas, em sofrimento. Penso no caos e no horror acrescido que têm vivido estas últimas semanas e tento recordar-me das orações que a minha avó me ensinou.

Confesso que rezar não é como andar de bicicleta. Repetimos durante anos, sem pensar muito nas palavras que proferimos, e, de repente, sem a força de uma comunidade ao nosso lado para o fazer connosco, as palavras já não saem na ordem certa.

Desisto das orações e penso nas intenções. Desejo que não caia nem mais uma bomba, que parem de cometer crimes de guerra, que parem de matar civis desenfreadamente, que haja segurança e um caminho para a resolução do conflito. Porque o ódio é difícil de se combater com serenidade e ponderação e, passados 75 anos de opressão, é difícil conceber qualquer harmonia entre os dois povos.

Sobre o conflito entre a Arménia e o Azerbaijão, Kapuściński escreve, em 1993, no seu livro Imperium, que as pragas que ameaçam o mundo são: o nacionalismo, o racismo e o fundamentalismo religioso. O denominador comum entre os três é a total agressividade irracional.

No entanto, cabe ao resto do mundo distinguir por entre o ódio o que resta de humanidade. Cabe-nos não sermos insensíveis ao sofrimento humano e, além de compaixão, defender os que injustamente mais estão a sofrer. Enquanto cidadãos europeus devemos exigir que a União Europeia reflicta os valores e as razões por que foi criada e reconheça o que se está a passar em Gaza é um crime de guerra, levado a cabo por extremistas de ambos os lados.

É triste quando vemos o mundo a preto e branco e, por isso, tenho esperança quando vejo milhares de judeus a exigir veementemente o cessar-fogo. Hoje recebemos notícias de que a Heba está em Rafah. Tem alguns ossos partidos, mas não vai ser operada porque os médicos estão assoberbados em casos mais críticos. Heba pede para que continuemos a rezar por ela.